Praia da Nazaré

A brisa da tarde
(Praia da Nazaré)
 
Aguarela sobre papel
40 x 50 cm
1929
Ver:
♦ O Notícias Ilustrado de 1931-04-29
     Roque Gameiro encontrou em alguns lugares as potencialidades necessárias que lhe permitiram criar imagens diferentes, focalizadas sob novos ângulos. Inspirando-se mais uma vez na praia da Nazaré, o pintor apresenta nesta aguarela diferentes soluções relativamente a um espaço que lhe permitiu exercitar o seu poder criativo de modo bem diverso.
     A praia ocupa mais de metade da composição, surgindo dinamizada como local de veraneio de uma burguesia citadina. Verifica-se uma curiosa situação que reflecte um determinado tipo de tendências, mas, essencialmente, de modas. O quadro transforma-se, dado o poder de observação do artista, num curioso documento de costumes.
     Sob a sombra protectora das barracas, grupos de famílias gozam do prazer das férias, do sol e do mar, permitindo-se mesmo às crianças participarem de brincadeiras junto à linha de rebentação da água. Este espaço torna-se um sítio onde convergem pessoas de contextos sociais bem demarcados. Mistura-se gente da cidade e do campo. As camponesas usam lenço e os homens cobrem as cabeças com os típicos barretes. O tipo de indumentária daqueles que chegam da cidade é bem diferente. Curiosamente, enquanto que as camponesas ainda envergam vestidos e saias até aos pés, as damas da burguesia citadina usam já saias curtas, pelo joelho, e até mesmo nas amas das crianças, se verifica a mesma tendência da moda.
     Uma luminosidade intensa invade o areal, estabelecendo contrastes acentuados de sombra e de luz. O pintor serve-se da cor branca do papel para sugerir as zonas de maior incidência de claridade: na representação das figuras e na figuração das barracas da praia ressaltam, a espaços, manchas de um branco intenso, que se opõem ao azulado da sombra. A figura feminina sentada ao sol e que pelo seu posicionamento aparenta ocupar o centro da composição, concentra em si em si esse dualismo; o vestido que ela enverga adquire uma tonalidade esbranquiçada, à frente, e um vermelho intenso, atrás.
     O mar de um azul turquesa alonga-se até à linha do horizonte, apenas cortado à direita da composição pela linha das falésias; a ondulação é apenas perceptível e espraia-se calmamente na areia, deixando traços de um castanho mais acentuado sobre o amarelo ocre da parte que está seca. Todo o aglomerado de pessoas é uma sinfonia colorida, servindo-se o artista deste processo para individualizar algumas figuras, salientando-as da massa compacta das outras.
Maria Lucília Abreu
in Roque Gameiro - O Homen e a Obra, ACD Editores, 2005
 
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