Dentro do Moinho

Dentro do moinho
 
aguarela sobre papel
46 x 54 cm
1964
     No espaço que se adivinha de forma circular, de acordo com a configuração dos anti­gos moinhos de vento, avultam o moleiro e duas camponesas, uma delas segurando, ao colo, uma criança adormecida. O engenho de moer ocupa um espaço proeminente pelas suas avantajadas proporções. A luz entra por uma pequena janela, iluminando o saco de farinha e deixando numa meia-luz o lado esquerdo da imagem.
     A artista imprimiu forte realismo à composição, especificamente no modo como estruturou as personagens, surpreendidas na sua faina diária. Ficamos com a percepção de que, a qualquer momento, elas retomam o trabalho interrompido, sobretudo o homem que, de mão apoiada no rebordo interior da janela, observa no exterior algo que lhe chamou a atenção.
     Normalmente, os pintores reproduzem o exterior dessas velhas construções que se erguiam no alto das serras e que imprimiam uma nota de vida à paisagem rural. Neste caso, Raquel observou, em pormenor, o interior de um desses moinhos, procedendo à reconstituição do espaço e de algumas das actividades ligadas ao processo de fabrico da farinha. Esta aguarela torna-se, assim, evocativa de um tipo de actividade profissional da qual apenas restam esbatidos ecos.
            Como se sabe, na pintura a aguarela o branco não existe como cor; é o suporte, neste caso o papel, que serve para expressar essa tonalidade, permitindo, em simultâneo, aprovei­tar a luminosidade proveniente da mancha clara, gerada pela ausência de pigmentos colorantes. Foi através da representação dos elementos que circundam os objectos de cor branca - o pano à volta da mó, a farinha e o saco - que estes obtiveram definição; verificando-se ter sido por um procedimento cromático contrastivo que se criaram os seus volumes e se defi­niram as suas formas. No registo das paredes, a artista utilizou uma mescla tonal que apa­renta ser a de um azul ultramarino e a de um siena. Cada tom guarda a sua coloração pró­pria, fundindo-se, porém em certos pontos, pela fluidez da aguada, disso resultando um efeito de assinalável plasticidade.
Maria Lucília Abreu
in A Aguarela na Arte Portuguesa, ACD Editores, 2008