"Ó rio das águas claras,
que vaes correndo p'ro mar"
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A cena focalizada reproduz um cenário em que se podem reconhecer marcas da intencionalidade bucólica que percorre os romances de Júlio Dinis. Roque Gameiro traduz, na perfeição, esse espírito do escritor e, nesta composição, em que todos os elementos se conjugam para transmitir a veracidade do cenário rural, foram criados efeitos de harmoniosa beleza plástica.
Perspectiva-se uma paisagem que se caracteriza por uma profusão luminosa de verdes tenros, de campos de lavoura amarelados e, no primeiro plano, pelo ribeiro de águas transparentes, cujas margens baixas permitem às lavadeiras executarem as tarefas em que habitualmente se ocupam. De joelhos sobre as pedras, estas esboçam movimentos inerentes à sua actividade: lavar, torcer, bater e sacudir a roupa, numa expressiva dinâmica. As típicas casas de pedra granítica apresentam-se disseminadas por entre a verdura e, gradualmente, vão-se afastando no espaço.
O contexto de intenção descritiva contém em si sequências narrativas: o encontro entre Pedro e Clara, duas das personagens principais do romance e o início de um idílio. Clara, a personagem que se avulta ao olhar do observador, de belo e expressivo rosto, torce a peça de roupa enquanto olha na direcção de Pedro, um pouco afastado, ocupando-se em trabalhos agrícolas.
No seu conjunto o quadro revela-se de significativo interesse etnográfico, pelo que nos transmite sobre vivências desaparecidas, e, sob um ponto de vista plástico, o artista consegue um belo colorido, em sugestões de luz e de cor vibrante, através de gamas cromáticas de quentes e álacres tonalidades.
O quadro desenvolve-se em planos diversos em que se cruzam e se opõem linhas oblíquas e paralelas, estabelecendo curiosos efeitos estruturais.
Maria Lucília Abreu
in Roque Gameiro - O Homen e a Obra, ACD Editores, 2005
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